𝐩𝐨𝐫 𝐋𝐞𝐨𝐧 𝐁𝐢𝐧𝐠.
Sábado, 28 de março, 48 mortes.
Sinceramente, eu não imaginei que teria que começar essa postagem dessa forma, mas não há forma melhor de emoldurar o meu desespero. Eu falei sobre minha forte sanidade mental dias atrás?
Esqueça tudo o que eu disse.
Há algumas horas, o governo do Equador anunciou um toque de recolher prolongado a partir de quarta-feira. O país já registrou mais de 1.800 infecções e fazem exatos 15 dias que nós não pisamos na rua. Na semana passada, a ministra da Saúde renunciou ao cargo. É assim que você instaura o pânico na sua população.
Apesar de longe do Brasil, eu ando acompanhando muito o que vocês dizem nas redes sociais. Sim, crianças, o carnaval foi incrível, blah, blah, blah — mas a ficha de vocês ainda não caiu que o nosso país contabiliza mais de três mil malditos casos? O que diabos eu disse sobre manter a bunda em casa? Às vezes, temos o triste hábito de encarar os problemas que estão longe demais de nós e ignorar que em algum momento ele pode se tornar nosso problema. Eu não queria estar preso no Equador. Inferno, eu deveria estar aproveitando o sol e o verão nas praias da Colômbia. Minha preocupação é dobrada agora: além de tentar controlar os nervos da minha esposa (que está tentando não surtar até pelo nosso quase estar), eu preciso ameaçar minha mãe que vou prendê-la num asilo se ela não se manter dentro de casa. Estando tão longe, fica muito difícil de cumprir essa promessa.
Nosso dinheiro está sumindo pelo ralo, também. Além da hospedagem, temos outros pequenos gastos para nos manter aqui. E, a cada dia que passa, tenho mais certeza que não iremos voltar tão cedo. Os pesquisadores acreditam que, se o governo não tomar medidas mais restritivas, os necrotérios e todo o sistema de saúde vão colapsar em questão de dias. Nós não temos ideia do que vai nos acontecer, também. Os jornais locais são cruéis com as imagens que mostram, mas muito reais — as pessoas estão sendo obrigadas a colocar os corpos de seus familiares nas ruas. Logo, eles serão obrigados a queimá-los.
Minhas mãos estão tremendo enquanto escrevo isso. O sono, o cansaço e a incerteza sobre o dia de amanhã são como mãos me puxando para baixo toda vez. Convenhamos que é normal sentir-se mal e ansioso nos tempos em que vivemos. O mundo é a imagem do caos agora. O maior problema de idiotas como eu é acreditar que somos fortes o suficiente para encarar tantos problemas.
Horas atrás, eu recebi uma ligação do meu irmão mais velho. O governo cortou a aposentadoria da minha mãe (o único benefício que ela recebia para se manter) e ele perdeu o emprego. Cara, eu nunca me senti tão prestes a surtar. Clarice, que nunca me viu assim antes (na verdade, as vezes sinto que há muito de mim que ela não conhece, e vice-versa) tentou conversar. Saber o que estava acontecendo. Por que, meu Deus?
Eu não sinto orgulho em dizer que gritei com a minha esposa, mas tudo aconteceu muito rápido. E ela falava como uma metralhadora de informações. A minha cabeça doía. Muito bem, Leon. Agora ela não quer olhar na sua cara.
Mandem aqui embaixo como diabos vocês estão lidando com todo o estresse que isso está causando. Por favor, eu não quero me sentir mais sozinho nessa avalanche de m*rda.
Essa foto não tem legenda,
Foto por Clarice.
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